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Proteína não precisa ser a protagonista para uma alimentação saudável, mostra estudo

Considerada um nutriente-base da alimentação, a proteína é protagonista no prato do brasileiro. Sua centralidade é observada em diferentes instâncias da sociedade: por um lado, organizações multilaterais frequentemente associam a pobreza e a insegurança alimentar à baixa ingestão proteica. Enquanto isso, entre a população de alta renda, influenciadores fitness defendem o consumo elevado do macronutriente, promovendo dietas e suplementos (como o whey protein) que prometem emagrecimento e ganho de massa muscular. Afinal, de quanta proteína realmente precisamos?

Essa é a pergunta que pesquisadores da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP buscaram responder, através de uma análise de dados epidemiológicos e populacionais em parceria com o Instituto de Estudos Avançados (IEA) e com o Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens).

A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera que 0,8g de proteína por quilo de peso corporal são suficientes para suprir necessidades fisiológicas – o que equivale a 180g de peito de frango em um dia para um adulto médio. De acordo com a Pesquisa de Orçamentos Familiares, dentre os 20% mais pobres da população brasileira, apenas 3% apresentam ingestão abaixo desse nível. “Entre a população geral, quando o consumo energético é minimamente suficiente, o consumo proteico também é suficiente”, constata Nadine Marques, doutora em Saúde Pública pela FSP e pesquisadora na Cátedra Josué de Castro de Sistemas Alimentares Saudáveis e Sustentáveis.

Apesar da importância da proteína para uma dieta balanceada, a quantidade consumida pela população já está adequada: enquanto a OMS sugere que ela deve compor 10% a 15% do teor energético diário, a média do brasileiro chega a 18%, mesmo nos estratos sociais mais baixos.

Ricardo Abramovay, docente do IEA, acrescenta que o déficit proteico na população subnutrida é consequência da fome, e não causa. “Se uma pessoa não come o suficiente para satisfazer suas necessidades calóricas, as proteínas são ‘queimadas’ para gerar energia, e deixam de desempenhar seus papéis constitutivos”, explica. Em relação à suplementação, ele afirma que não há motivo para elevar drasticamente a ingestão proteica, exceto no caso de atletas de alto rendimento (quando a recomendação é de, no máximo, 2g/kg). 

Os pesquisadores argumentam que existe uma armadilha em concentrar-se em apenas um nutriente, e não no conjunto do padrão alimentar. A pesquisa Vigitel, realizada pelo Ministério da Saúde em 2023, revelou que 79% dos adultos das capitais brasileiras não alcançam a recomendação da OMS para consumo de vegetais, frutas e verduras (400g diárias).

“Nosso trabalho fortalece a ideia do Guia Alimentar Brasileiro de que o mais importante para uma alimentação saudável, sobretudo para as crianças, não é muita carne, é muita diversidade”, comenta Abramovay.

Insegurança alimentar: um problema estrutural

Segundo o Relatório da ONU sobre a Insegurança Alimentar Mundial (Sofi 2024), a insegurança alimentar severa foi reduzida em quase 85% no Brasil em 2023. De acordo com os pesquisadores, a saída do Mapa da Fome é resultado de políticas como o Programa Nacional de Alimentação Escolar e o Programa de Aquisição de Alimentos. “Isso é algo a celebrar, mas refere-se apenas à população que realmente não tem acesso nenhum, diagnosticada com insegurança alimentar grave”, afirma Nadine Marques. “Um porcentual alto da população ainda não tem o acesso adequado, em termos de quantidade e de qualidade.”

De acordo com dados do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan), 253 municípios brasileiros têm mais de 10% das crianças menores de 5 anos com desnutrição aguda. “A humanidade já produz alimentos suficientes para suprir as necessidades da população mundo afora, e o que vemos é a continuidade dessa situação de fome, principalmente em países em desenvolvimento”, comenta a pesquisadora, “o que aponta para um problema de alcance físico e financeiro, e não falta de produção.”

Mesmo quando a segurança é alcançada, uma série de fatores dificulta o acesso do brasileiro a uma alimentação equilibrada. Regiões de baixa renda são muitas vezes caracterizadas como desertos ou pântanos alimentares: há venda prevalente de ultraprocessados de baixo custo, e ausência de feiras e mercados com produtos in natura, que são vendidos com altos preços.

“A erradicação da fome não passa apenas por transferência de renda e distribuição de alimento, mas passa, fundamentalmente, por mudar a estrutura global do sistema agroalimentar. […] Temos que combater a ideia de que é o consumidor que decide: são as instituições que decidem as nossas preferências, e então é necessário interferir nas instituições”, diz Ricardo Abramovay.

Sistema agroalimentar

As carnes são o epicentro do sistema agroalimentar global: 70% das áreas não correspondentes a desertos e geleiras são destinadas à pecuária ou à produção de grãos para ração. O modelo intensivo, marcado pela “tríplice monotonia” (baixa diversidade de cultivos, raças e manejo), agrava o desmatamento, a emissão de gás metano e a resistência antimicrobiana, devido ao uso massivo de antibióticos preventivos em criações confinadas. Com o crescimento populacional, a produção de carne vem se expandindo. “Isso faria sentido se a humanidade tivesse carência de produtos animais, mas não é o que acontece: nós já só consumimos excessivamente”, critica Abramovay. 

O percurso da proteína na história

Há 50 anos, um ensaio controverso para nutrição era publicado por Donald McLaren: “The Great Protein Fiasco” criticava a supremacia da proteína na dieta da população, e debatia influências históricas e políticas que não se comprovavam cientificamente. A obra apontava o erro das organizações de desenvolvimento em focar seus esforços na oferta de proteínas, inclusive sob formas industrializadas. 

Segundo Ricardo Abramovay, desde 1930 as Agências das Nações Unidas consideravam o déficit proteico o traço mais importante da desnutrição infantil nos países pobres. Para preencher essa lacuna, seria necessário distribuir formulações elaboradas com soja, milho, trigo e leite, como o leite em pó, entre as populações carentes – em detrimento de fontes vegetais proteicas localmente disponíveis. “Coincidência ou não, essa ideia coincide com um período da economia norte-americana em que havia excedente na produção de leite, e os EUA desejavam exportá-lo”, comenta.

Nadine Marques explica que o ramo do nutricionismo surgiu com o foco de “bater metas” para otimizar a saúde da população, quase como uma medicalização da alimentação. “As metas nutricionais foram desenhadas em um período de escassez e fome entre guerras, então isso fazia sentido”, explica a cientista. “Depois da Segunda Guerra Mundial, quando a produção de alimentos aumentou substancialmente, a ciência foi evoluindo para entender que é necessário enxergar o hábito alimentar como um todo.”

Mas a idealização do consumo de carne se perpetuou no senso comum, e beneficiou a indústria crescente de suplementos. “Para bater metas, é mais fácil fortalecer determinados alimentos e vender produtos que atendam a essas ‘necessidades’”, critica.

Em países de alta renda, dados epidemiológicos já apontam que o consumo de alimentos de origem animal é excessivo e, em casos extremos, pode ser prejudicial à saúde do fígado, rins, pâncreas e até mesmo do tecido muscular. O Nupens e a Cátedra estão conduzindo, atualmente, uma pesquisa mais abrangente sobre o consumo de proteínas pela população brasileira.

 “Precisamos enxergar a alimentação como um equilíbrio entre alimentos e nutrientes e, principalmente, entender como ela está atrelada à cultura alimentar e à biodiversidade local, e não pode ser padronizada”, afirma Nadine Marques.

O protagonismo deste macronutriente é publicizado cada dia mais nas redes sociais. Para Nadine, influenciadores precisam ser responsabilizados pela informação que propagam, assim como veículos de comunicação tradicionais. “A seriedade com a qual eles devem trabalhar precisa ser proporcional ao engajamento que promovem”, comenta. “Existem dados científicos que, se tratados isoladamente, levam a conclusões enviesadas.”

Segundo a pesquisadora, a educação alimentar e nutricional é uma ferramenta de autonomia a ser promovida desde a infância, para que as crianças compreendam a lógica de produção dos alimentos e aprendam a enxergá-los com consciência. “Isso permite que as pessoas possam fazer melhores escolhas na idade adulta”, conclui.

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